sábado, 27 de junho de 2015

O desafio de trabalhar e estudar

Grande Reportagem

Manuela Brito (foto) estuda no Instituto Superior de Ciências Jurídicas e Sociais  na Fazenda e pretende licenciar em Direito. O interesse por esta área fez com que ela matriculasse aqui no Conselho da Praia na ilha de Santiago para poder ver o sonho realizar-se. Chegou a frequentar a Universidade nos primeiros tempos, mas teve que parar por alguns meses para poder trabalhar e garantir um fundo para sustentar o curso.


«Vim de São Nicolau para formar-me em direito, mas vi os meus sonhos desmoronarem de uma hora para outra. Tive que parar. Foi difícil nos primeiros dias, porque como sabemos não é fácil abandonar os estudos já a meio caminho andado para trabalhar e sustentar a minha pessoa e o meu curso», afirma.

Manuela concluiu o segundo semestre de primeiro ano com muita dificuldade e fala que é sempre muito difícil estudar e trabalhar.



O caso desta aluna assemelha-se a de outros estudantes da universidade de Cabo Verde. São universitários vindo de todas as ilhas de cabo verde. Instalam na Cidade da praia, trabalham, estudam e buscam um futuro melhor do que o dos seus pais. Vivem juntamente de outros estudantes e há alguns que moram com os familiares e são submetidos a fazerem trabalhos domésticos para colmatar a ajuda disponibilizada pelos familiares. A maioria dos alunos são da ilha de Santiago e dos que vem das ilhas, Fogo está em primeiro lugar. Quando se depara, ficam sem tempo para estudar e fazer outros trabalhos académicos. Passam os meses, depois um semestre, e quando se nota é mais um ano que ficou para trás. Os quatro anos de licenciatura passam a ser cinco e na maioria dos casos seis anos. Terminam os estudos e não terminam a licenciatura.


«Não há tempo para nada, nem para estudar. Faço isso é noite ou de madrugada quase na hora de levantar para ir novamente para a batalha, explica Zuleica estudante de LPCV da UNICV.


É o caso de muitos estudantes que vem das ilhas como também do interior da ilha de Santiago, onde há uma maior concentração populacional e também o maior número de Universidades do país. A principal causa disso é a falta de condições dos pais e familiares, que colocam os filhos na Universidade com a ideia de que dias melhores virão. Entretanto, não é o que acontece muitas das vezes na realidade. Alguns acabam abandonando os estudos para trabalharem, garantirem um fundo e só depois retomar a licenciatura e poder pagar as despesas de casa e tudo mais. Outros passam diversas dificuldades no dia-a-dia e acabam ficando com muitas doenças como por exemplo a anemia. Isto por causa da má alimentação e do horário desregrado para satisfazerem o organismo e a mente. 

Posição do nutricionista
Neste ponto, o nutricionista Celso Moreira apontou que o horário para a alimentação deve ser seguida rigorosamente, porque a falta disso é que leva o insucesso da maioria dos estudantes.

Novos Desafios
Ainda existem alguns estudantes que trabalham desde o início do curso e ajudam os pais e os irmãos mais novos.
«Trabalho a cerca de um ano de segunda a sábado. Entro às sete e trinta e volto para a casa às 14 horas. Não almoço e tenho que estar na sala de aula pelo menos às 14 e dez minutos, senão perco uma parte da matéria. Estudo á noite, às vezes durmo em cima do caderno e tenho que levantar bem cedo para poder chegar a tempo no posto de trabalho. Ajudo a minha irmã mais pequena que também estuda na Unicv. É difícil mas para vencer temos que lutar», explica Dina Almeida, aluna de Jornalismo.

Há estudantes que passam um mês ou mais com apenas seis mil escudos, o que não dá nem para pagar um mês de propina e muito menos a alimentação. Tem disciplinas em atraso mas não é por causa da falta de interesse, mas sim por não terem força para seguir. Há dias que não tomam o pequeno-almoço, e nem jantam ou seja passam o dia com apenas uma refeição. E isso contribui para o fraco desempenho nas aulas e consequentemente um fraco resultado. O que os fazem desmotivar e deixarem as lágrimas caírem, «que é a única coisa que não se compra», diz aluna de Francês.
Optar entre o estudo e a carreira é sempre uma decisão difícil a ser tomada, pois a escolha pode ser crucial para o futuro do indivíduo, que corre o risco de parar de estudar, não ser bem-sucedido na profissão e se arrepender, ou então continuar estudando, não conseguir cumprir os compromissos de trabalho, comprometer a carreira profissional e ficar frustrado.



O emprego ou estágio que permite ao estudante trabalhar apenas meio período facilita muito a conciliação das duas atividades, porém, a maioria trabalha em tempo integral e mesmo aqueles que só trabalham um turno passam dificuldades para administrar o seu tempo. 
João Paulo Gonçalves

Foi o que aconteceu com João Paulo (foto), estudante de Jornalismo da Universidade de Cabo Verde. Ele conseguiu um estágio para cobrir os seus custos pessoais, já que estudou em uma universidade pública. Só trabalhava 3 horas por dia e mesmo assim, por não conseguir organizar o tempo livre, acabou perdendo muitas matérias. "Poderia ter-me aproveitado mais, mas também tinha que trabalhar e poder custear as minhas despesas, conta João. Essa capacidade de administrar o tempo demanda habilidade, esforço e exige determinação por parte de estudantes que além de precisar se concentrar nos estudos e trabalhar necessitam ter condições financeiras para chegar a se formar.








A opinião da Psicóloga

O lado psicológico do estudante sofre transformações diante de tantas questões pendentes a resolver: financeira, preocupação com os estudos, cansaço físico associado a um dia stressante de trabalho.

«Normalmente o primeiro impacto da notícia de que passou no final do ano leva o estudante a uma sensação de felicidade. Logo vem o pensamento de que se está começando uma nova vida, que irá conhecer muitas pessoas diferentes, aprender uma profissão, receber um diploma, porém, logo em seguida vem a tona a realidade, o cansaço, o desgaste físico e mental e as questões financeiras», diz Psicóloga Ana Domingos.

É o que vem atormentando milhares de jovens estudantes em Cabo Verde. Por mais que batalham todos os dias, o final sempre lhes reserva muitas surpresas negativas. E tudo isso junta-se com a falta de energia e motivação e acabam por desistir.

Opinião

«No meu caso, iniciei a licenciatura no PIAGET mas deixei de ir para as aulas porque tinha que trabalhar para custear as propinas, as despesas de casa e poder comer. O meu pai não tem emprego fixo, mas mesmo assim quis colocar-me na universidade com a ideia de que um dia terei uma vida melhor do que a dele. Já foram dois anos e ainda estou a trabalhar para garantir alguns meios para me ajudar nos próximos tempos», completa uma aluna da ilha do Fogo.

Os pais sentem-se orgulhosos com a conquista dos filhos ao terminarem a licenciatura. Mas o que fazer para sustentá-los em uma universidade se eles não conseguem enfrentar o desafio de estudar e trabalhar? Nem sempre a família dos estudantes tem uma situação económica estabilizada, que possa proporciona-los a possibilidade de somente estudar.


Os estudantes disseram que trabalhar e estudar é stressante, cansativo, intenso e extenso e difícil. Estudar e trabalhar são duas atividades que separadamente ou somadas fazem parte da trajectória de vida da maioria dos Cabo-Verdianos. A dificuldade que as pessoas têm de conciliar essas atividades, depende da elaboração de uma análise do indivíduo levando também em consideração os factores sociais, económicos, culturais e psicológicos do ser humano.
Octávio Semedo

No final de uma jornada de trabalho e estudo, o indivíduo pensa se vale a pena todo o esforço. Mesmo não tendo tempo para os amigos e a namorada, o professor e Engenheiro Civil, Octávio Semedo (foto) diz que, fez um empréstimo no banco para pagar os estudos. Ele conta que estudava e trabalhava tanto, que nas poucas horas vagas que lhe restava, não conseguia se concentrar em mais nada que não fosse relacionado ao estudo ou trabalho. “Eu faria tudo novamente. Hoje eu tenho consciência de que investi no meu futuro e alcancei a vitória. Valeu a pena”, afirma Octávio.



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