Manuela Brito (foto) estuda no Instituto Superior de Ciências Jurídicas e Sociais na Fazenda e pretende licenciar em Direito. O interesse por esta área
fez com que ela matriculasse aqui no Conselho da Praia na ilha de Santiago para
poder ver o sonho realizar-se. Chegou a frequentar a Universidade nos primeiros
tempos, mas teve que parar por alguns meses para poder trabalhar e garantir um
fundo para sustentar o curso.
Manuela concluiu o segundo semestre de primeiro ano com muita dificuldade e fala que é sempre muito difícil estudar e trabalhar.
O caso desta aluna assemelha-se a de outros estudantes da universidade de
Cabo Verde. São universitários vindo de todas as ilhas de cabo verde. Instalam
na Cidade da praia, trabalham, estudam e buscam um futuro melhor do que o dos
seus pais. Vivem juntamente de outros estudantes e há alguns que moram com os
familiares e são submetidos a fazerem trabalhos domésticos para colmatar a
ajuda disponibilizada pelos familiares. A maioria dos alunos são da ilha de
Santiago e dos que vem das ilhas, Fogo está em primeiro lugar. Quando se
depara, ficam sem tempo para estudar e fazer outros trabalhos académicos.
Passam os meses, depois um semestre, e quando se nota é mais um ano que ficou
para trás. Os quatro anos de licenciatura passam a ser cinco e na maioria dos
casos seis anos. Terminam os estudos e não terminam a licenciatura.
«Não há tempo para nada, nem para estudar. Faço isso é noite ou de
madrugada quase na hora de levantar para ir novamente para a batalha, explica
Zuleica estudante de LPCV da UNICV.
É o caso de muitos estudantes que vem das ilhas como também do interior da
ilha de Santiago, onde há uma maior concentração populacional e também o maior
número de Universidades do país. A principal causa disso é a falta de condições
dos pais e familiares, que colocam os filhos na Universidade com a ideia de que
dias melhores virão. Entretanto, não é o que acontece muitas das vezes na
realidade. Alguns acabam abandonando os estudos para trabalharem, garantirem um
fundo e só depois retomar a licenciatura e poder pagar as despesas de casa e
tudo mais. Outros passam diversas dificuldades no dia-a-dia e acabam ficando
com muitas doenças como por exemplo a anemia. Isto por causa da má alimentação
e do horário desregrado para satisfazerem o organismo e a mente.
Posição do nutricionista
Neste ponto, o nutricionista Celso Moreira apontou que o horário para a
alimentação deve ser seguida rigorosamente, porque a falta disso é que leva o insucesso
da maioria dos estudantes.
Novos Desafios
Ainda existem alguns estudantes que trabalham desde o início do curso e
ajudam os pais e os irmãos mais novos.
«Trabalho a cerca de um ano de segunda a sábado. Entro às sete e trinta e
volto para a casa às 14 horas. Não almoço e tenho que estar na sala de aula
pelo menos às 14 e dez minutos, senão perco uma parte da matéria. Estudo á
noite, às vezes durmo em cima do caderno e tenho que levantar bem cedo para
poder chegar a tempo no posto de trabalho. Ajudo a minha irmã mais pequena que
também estuda na Unicv. É difícil mas para vencer temos que lutar», explica
Dina Almeida, aluna de Jornalismo.
Há estudantes que passam um mês ou mais com apenas seis mil escudos, o que
não dá nem para pagar um mês de propina e muito menos a alimentação. Tem
disciplinas em atraso mas não é por causa da falta de interesse, mas sim por
não terem força para seguir. Há dias que não tomam o pequeno-almoço, e nem
jantam ou seja passam o dia com apenas uma refeição. E isso contribui para o
fraco desempenho nas aulas e consequentemente um fraco resultado. O que os
fazem desmotivar e deixarem as lágrimas caírem, «que é a única coisa que não se
compra», diz aluna de Francês.
Optar entre o estudo e a carreira é sempre uma decisão difícil a ser
tomada, pois a escolha pode ser crucial para o futuro do indivíduo, que corre o
risco de parar de estudar, não ser bem-sucedido na profissão e se arrepender,
ou então continuar estudando, não conseguir cumprir os compromissos de
trabalho, comprometer a carreira profissional e ficar frustrado.
O emprego ou estágio que permite ao estudante trabalhar apenas meio período
facilita muito a conciliação das duas atividades, porém, a maioria trabalha em
tempo integral e mesmo aqueles que só trabalham um turno passam dificuldades
para administrar o seu tempo.
João Paulo Gonçalves |
Foi o que aconteceu com João Paulo (foto), estudante de Jornalismo da
Universidade de Cabo Verde. Ele conseguiu um estágio para cobrir os seus custos
pessoais, já que estudou em uma universidade pública. Só trabalhava 3 horas por
dia e mesmo assim, por não conseguir organizar o tempo livre, acabou perdendo
muitas matérias. "Poderia ter-me aproveitado mais, mas também tinha que
trabalhar e poder custear as minhas despesas, conta João. Essa capacidade de
administrar o tempo demanda habilidade, esforço e exige determinação por parte
de estudantes que além de precisar se concentrar nos estudos e trabalhar
necessitam ter condições financeiras para chegar a se formar.
A opinião da Psicóloga
O lado psicológico do
estudante sofre transformações diante de tantas questões pendentes a resolver:
financeira, preocupação com os estudos, cansaço físico associado a um dia
stressante de trabalho.
«Normalmente o primeiro impacto da notícia de que passou no final do ano
leva o estudante a uma sensação de felicidade. Logo vem o pensamento de que se
está começando uma nova vida, que irá conhecer muitas pessoas diferentes,
aprender uma profissão, receber um diploma, porém, logo em seguida vem a tona a
realidade, o cansaço, o desgaste físico e mental e as questões financeiras»,
diz Psicóloga Ana Domingos.
É o que vem atormentando milhares de jovens estudantes em Cabo Verde. Por
mais que batalham todos os dias, o final sempre lhes reserva muitas surpresas
negativas. E tudo isso junta-se com a falta de energia e motivação e acabam por
desistir.
Opinião
«No meu caso, iniciei a licenciatura no PIAGET mas deixei de ir para as
aulas porque tinha que trabalhar para custear as propinas, as despesas de casa
e poder comer. O meu pai não tem emprego fixo, mas mesmo assim quis colocar-me
na universidade com a ideia de que um dia terei uma vida melhor do que a dele.
Já foram dois anos e ainda estou a trabalhar para garantir alguns meios para me
ajudar nos próximos tempos», completa uma aluna da ilha do Fogo.
Os pais sentem-se orgulhosos com a conquista dos filhos ao terminarem a
licenciatura. Mas o que fazer para sustentá-los em uma universidade se eles não
conseguem enfrentar o desafio de estudar e trabalhar? Nem sempre a família dos
estudantes tem uma situação económica estabilizada, que possa proporciona-los a
possibilidade de somente estudar.
Os estudantes disseram que trabalhar e estudar é stressante, cansativo,
intenso e extenso e difícil. Estudar e trabalhar são duas atividades que
separadamente ou somadas fazem parte da trajectória de vida da maioria dos
Cabo-Verdianos. A dificuldade que as pessoas têm de conciliar essas atividades,
depende da elaboração de uma análise do indivíduo levando também em
consideração os factores sociais, económicos, culturais e psicológicos do ser
humano.
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